Objets Dérisoires

Objectos Derisórios

Na série fotográfica Its Always Christmas around here, Virginie Duhamel ironiza sobre a sociedade de consumo e a importância que esta acorda a objectos derisórios. Um coração de carneiro aberto em dois e sanguinolento sorri como uma máscara de guerreiro. É a cara sedutora e cruel da guerra económica. Por trás do coração, a sentimentalidade explorada pelo mundo mercantil, transparece a realidade crua. É sempre natal à nossa volta anuncia o título, uma festa perpétua organizada pelo comercio mas cuja regra verdadeira é menos o dom do que a caça aos consumidores. Na outra fotografia com o mesmo título, um brinquedo derisório parece perdido no meio da natureza. Parecendo-se com um animal, o artefacto paira miseravelmente perdido na erva. O sujeito artificial, em relação a este ambiente, perdeu todo seu prestígio. O tema do feiticismo na mercadoria está sublinhado igualmente na série Fuck your dreams This is heaven. Um copo de cerveja, objecto de consumo corrente, transforma-se numa estrutura abstracta. Matéria, luz e obscuridade articulam-se de maneira irreal num espaço sem fronteiras. O objecto recontextualizado revela novos atributos e desta vez tira valor disso. Pode, porem, ser deturpado sem perda nem proveito. Outra fotografia, pertencendo à mesma série, capta uma obra no pátio dum museu de arte contemporânea – um corredor de plástico no qual trespassa a luz do sol – e projecta-a num universo totalmente abstracto, por um novo jogo de perspectivas.

A reflexão sobre o objecto, o seu contexto e sua importância nas nossas sociedades se cruza com a questão do sujeito e, mais especialmente, da mulher, da mulher objecto, versão moderna e insidiosa do machismo. Em Shoot the Fucking Pufas, a artista em fato de banho na praia, maneja, com um falso ar selvagem, uma metralhadora em plástico. Com esse objecto factício, os spots publicitários americanos nos quais mulheres lascivas e desnudadas apresentam armas ligeiras são tornados em derisão. Voltamos a encontrar os temas da mulher objecto e da artificialidade em Lady Killers. O sujeito tem a cara atada e deformada por um longo fio que fixa um telemóvel sobre sua orelha. Perguntamo-nos quem são os matadores de mulheres: os fabricantes de telemóveis, os industriais ou, de maneira mais geral ainda, os homens. A guerra económica contém assim a guerra dos sexos. Efectivamente, vivendo em Portugal, a artista deve, como em números outros países, subir a agressão tanto do machismo como da comercialização. Retalhada pelo utensílio, a cara perdeu sua identidade para se tornar por sua vez objecto. Em vez da mulher encontrar um lugar melhor na sociedade de consumo do que na sociedade tradicional, é o reino absoluto do objecto que inclui na sua esfera a mulher-objecto. Encontramos de novo em Mémoire équivoque o mesmo desmembramento do corpo e da pessoa. Aqui, é mais em profundidade, que a memória individual se encontra alterada de por sua selectividade. O que ignoramos ao ver a fotografia, mas que tem sua importância para entender o seu sentido, é que o sujeito efectua um strip-tease invertido frente ao seu espelho quebrado. Sua nudez se encontra aos poucos coberta pela roupa que evoca o enterro de seu estado originário sob as camadas do tempo, como a estátua de Glaucon em Platão. Se essa nudez frágil se entrega antes mesmo de se vestir, é somente de costas, de maneira menos pessoal do que se o rosto aparecesse. Quanto ao reflexo de frente, encontra-se dissecado pelo espelho partido, como uma espécie de vestuário ou anti-vestuário. Mas o vestuário por excelência é aquele que cobre o sexo, apogeu da nudez. Em My sex in the city, a roupa interior não é mais do que um creme de cor vermelha. A púbis e o alto das coxas estão cobertos disso no sentido da largura, actuando como uma cueca factícia. O nu é enterrado, insondável, como o mostrava a obra anterior, mas ao mesmo tempo é presente por todo lado, tal como o nosso sexo se encontra aí, na cidade. Quanto à simbólica do vermelho, sublinha, podemos dizê-lo, a violência do aparato, o nu ficando fundamentalmente pacífico. Em Eterno Retorno, é o corpo todo inteiro da mulher que é coberto de argila, o que a torna numa figura monumental, primitiva, arquetípica, oposta as frágeis singularidades que já referimos. No obstante, esta figura parece em equilíbrio instável sobre um banquinho, como suspensa no meio do círculo marcado na parede. Essa metáfora do ciclo histórico vem sem dúvida negar com ainda mais força a especificidade do sujeito que, no entanto, persiste na sua encenação. O representante conserva sua presença no interior do que é representado e persiste na sua fragilidade artística frente às grandes apostas teóricas.

O tema do sujeito negado pode ser tratado como aquele da morte. É o caso de Ophélia, que em Hamlet se afoga no meio das flores. Os joelhos do sujeito, como morto numa banheira, são recobertos duma lava espessa. A luz por baixo e a brancura do vestido contrastam com a negridão da cena. Esse jogo de opostos encontra-se também no facto que esta morte na água evoca o nascimento no líquido amniótico. Sente-se uma certa paz, com certeza inquietante, que contrasta com a essência violenta da morte. Esse jogo de transfiguração das obrigações não passa alias sem evocar os rituais da magia negra. A perca da singularidade é também outra maneira de morrer, de morrer em vida. Em Laranja mecânica, a universidade de Lisboa com muros cor de laranja é assimilada à uma máquina. Contra uma dessas paredes se encontra uma criança vestida de branco. Aos seus pés, um buraco de ratinho simboliza a pureza ingénua e minúscula. Percebemos a crítica duma sociedade, que pelo peso do seu sistema educativo, nega o desabrochar da pessoa. Por fim, em Comic Strip, uma jovem mulher com um ar infantil baila no meio dos balões. Cores e movimentos dão uma impressão de felicidade lembrando a atmosfera feliz das festas de família. Mas interrogamo-nos sobre a autenticidade dessa felicidade nesta artista que várias vezes denúncia, como é o caso em Its Always christmas..., a festa oficial como um espectáculo derisório e mercantil.

Raphael Edelman
2007


Objets Dérisoires


Virginie Duhamel ironise sur la société de consommation et l'importance que celle-ci accorde à des objets dérisoires à travers la série de photographies Its Always Christmas around here. Un coeur de mouton ouvert en deux et sanguinolant sourit comme un masque guerrier. C'est le visage séducteur et cruel de la guerre économique. Derrière le coeur, la sentimentalité exploitée par le monde marchand, transparaît la réalité crue. C'est toujours Noël autour de nous, annonce le titre, c'est-à-dire une fête perpétuelle organisée par le commerce mais dont la règle véritable est moins le don que la chasse aux consommateurs. Sur une autre photo au même titre, un jouet dérisoire paraît perdu dans la nature. Ressemblant à un animal, l'artefact siège misérablement dans l'herbe. Le sujet artificiel, par rapport à cet environnement, a perdu tout prestige. Le thème du fétichisme dans la marchandise se retrouve dans la série Fuck your dreams. Un verre de bière, objet de consommation courante, devient une structure abstraite. Matière, lumière et obscurité s'articulent de manière irréelle dans un espace sans repères. L'objet recontextualisé révèle de nouveaux attributs et, cette fois-ci, prend de la valeur. Il peut par ailleurs être détourné sans perte ni profit. Une autre photographie, appartenant à la même série, saisit une oeuvre dans un musé d'art contemporain - un couloir en plastique dans lequel passe la lumière du soleil - et la projette, par un nouveau jeu de perspective, dans un univers totalement abstrait.

La réflexion sur l'objet, son contexte et son importance dans nos sociétés croise la question du sujet et, plus spécialement, de la femme, de la femme objet, version moderne et insidieuse du machisme. Dans Me and me gun, l'artiste en maillot de bain sur la plage brandit, avec un faux air sauvage, une mitraillette en plastique. Avec cet objet factice, sont tournés en dérision les spots publicitaires américains où des filles lascives et dénudées présentent des armes légères. On retrouve ces thèmes de la femme objet et de l'artificialité dans Lady Killer. Le sujet a le visage ficelé et déformé par un long fil qui fixe un téléphone portable sur son oreille. On se demande qui sont les tueurs de femmes : les fabricants de portables, les industriels ou, plus généralement encore, les hommes. La guerre économique contient ainsi la guerre des sexes. Effectivement, vivant au Portugal, l'artiste doit, comme dans de nombreux autres pays, subir l'agression à la fois du machisme et de la commercialisation. Morcelé par l'ustensile, le visage a perdu son identité pour devenir à son tour objet. Au lieu que la femme trouve une place meilleure dans la société de consommation que dans la société traditionnelle, c'est le règne absolu de l'objet qui inclut dans sa sphère la femme objet. On retrouve dans Mémoire équivoque le même morcellement du corps et de la personne. Ici c'est, plus en profondeur, la mémoire individuelle qui se trouve altérée du fait de sa sélectivité. Ce qu'on ignore en voyant la photographie, mais qui a son importance pour comprendre le sens, c'est que le sujet effectue un strip-tease inversé face à son miroir brisé. Sa nudité se trouve peu à peu recouverte par le vêtement évoquant l'enfouissement de l'état originaire sous les couches du temps, comme la statue de Glaucon chez Platon. Si cette nudité fragile se donne avant même qu'elle soit revêtue, c'est seulement de dos, de façon moins personnelle que si le visage apparaissait. Quant au reflet de face, il se trouve disséqué par le miroir brisé, sorte de vêtement ou même d'anti vêtement. Mais le vêtement par excellence est celui qui recouvre le sexe, summum de la nudité. Dans My sexe in the city le sous vêtement n'est plus qu'une crème de couleur rouge. Le pubis et le haut des cuisse en sont recouverts dans le sens de la largeur, faisant comme un slip factice. Le nu est enfoui, insondable, comme le montrait l'oeuvre précédente, mais en même temps il est partout présent, de même que notre sexe est bien là dans la cité. Quant à la symbolique du rouge, il souligne, peut-on dire, la violence de l'apparat, le nu restant fondamentalement pacifique. Dans Eterno Retorno, c'est le corps tout entier de la femme qui est recouvert de boue, ce qui en fait une figure monumentale, primitive, archétypale, opposée aux fragiles singularités dont il était alors question. Cependant, cette figure paraît en équilibre instable sur un tabouret, comme suspendue au centre du cercle tracé sur le mur. Cette métaphore du cycle historique vient sans doute nier encore davantage la spécificité du sujet qui, néanmoins, persiste dans la mise en scène. Le représentant conserve sa présence à l'intérieur de ce qui est représenté et persiste dans sa fragilité artistique face aux grands enjeux théoriques.

Le thème du sujet nié peut être traité avec celui la mort. C'est le cas d'Ophélia, qui dans Hamlet se noie parmi les fleurs. Les genoux du sujet, comme mort dans une baignoire, sont recouverts d'une lave épaisse. La lumière en dessous et la blancheur de la robe contrastent avec la noirceur de la scène. Ce jeu d'opposition se retrouve aussi dans le fait que cette mort dans l'eau évoque la naissance dans le liquide amniotique. On décèle une certaine paix, certes inquiétante, qui contraste avec l'essence violente de la mort. Ce jeu de transfiguration des contraintes n'est d'ailleurs pas sans évoquer les rites de magie noire. La perte de la singularité est encore une autre façon de mourir, de mourir en vie. Dans Laranja mecanica, l'université de Lisbonne aux murs oranges est assimilée à une machine. Contre l'un de ces murs se tient une enfant vêtue de blanc. A ces pieds un trou de souris symbolise la pureté ingénue et minuscule. On perçoit la critique d'une société qui, par la lourdeur de son système éducatif, nie l'épanouissement de la personne. Enfin, dans Comic Strip, une jeune femme à l'allure enfantine danse parmi les ballons. Couleurs et mouvements donnent une impression de gaieté rappelant l'atmosphère joyeuse des fêtes de famille. Mais on s'interroge sur l'authenticité de cette joie chez une artiste qui à plusieurs reprise dénonce, comme c'est le cas dans Its Always christmas... la fête officielle comme un spectacle dérisoire et mercantile.
Raphael Edelman
2007